segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O passado: usos e abuso

Na edição deste domingo (04/09), o jornal Zero Hora publicou lado a lado um texto do jornalista Flávio Tavares e um do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O último, depois de lamentar-se da agenda sobrecarregada, como a dizer que está longe de aposentar-se da esfera pública apesar de estar “ficando cansado de argumentar”, declara que gostaria de escrever como um cronista pois este “pode divagar” e não como um articulista de quem se exige uma lógica argumentativa capaz de fundamentar seus pontos de vista.
Dito isso, sob o título “Crônica de um tempo difícil”, FHC pôs-se a divagar sobre as razões de Estado que levou-o a socorrer os bancos privados através do Proer, apresentado em um passe de mágica qual uma punição aos “banqueiros audaciosos”, e a incentivar a privatização de bancos públicos. Dá a entender que os Estados Unidos e a Europa deveriam seguir o mesmo caminho hoje para sair da crise em que se meteram.
Conclui a mistificadora auto-avaliação de seu governo (neoliberal), em que mostra-se retrospectivamente “contra a desregulamentação” (dos mercados) e os “apertos fiscais” (que aprofundaram as desigualdades sociais), colocando-se favorável à “bandeira da moralização” para atacar “as forças da corrupção que estão mais enraizadas no poder do que parece”. Acrescenta que “sem tática, persistência e visão de futuro, será difícil barrá-las”. Sobre a Reforma Política e Eleitoral, instrumentos concretos para introduzir a ética na política, nenhuma palavra. Compreende-se: a opção do prócer tucano foi pela idiossincrasia pessoal de um
cronista com uma retórica aparentemente despreocupada com soluções efetivas e duradouras para os
males que aponta.
Já o jornalista e escritor Flávio Tavares, ao discorrer sobre a “Legalidade”, produziu igualmente uma crônica com grande carga de subjetividade. Como FHC, utilizou-se do passado para dar pretensas lições ao presente. A diferença é que se o primeiro maquilou o passado, o segundo instrumentalizou-o para atacar o presente. Com o agravante do anacronismo ao comparar de forma abstrata épocas diferentes, a saber, o período heróico de 1961 marcado pelo Movimento da Legalidade no Rio Grande do Sul e o período atual, de normalização do funcionamento das instituições do país.
Para enaltecer então a coragem e a fibra cívicas do governador Brizola, ontem, o escriba lançou uma desqualificação gratuita sobre “o governador Tarso Genro (de quem se esperava muito)” e sobre a disposição de luta das gerações de agora, duvidando que houvesse tamanha mobilização popular na contemporaneidade. Esqueceu que, se o Movimento pela Legalidade garantiu a posse de um presidente da República, a população brasileira anos depois teve energia suficiente para ir às ruas exigindo o impeachment de outro. Só um rancor ideológico ou geracional pode justificar suas invectivas impressas.
Quanto a nós, preferimos homenagear o Movimento pela Legalidade de forma positiva, sugerindo que a presidenta Dilma Roussef dê o nome de “Presidente João Goulart” à ponte que ligará Porto Alegre a Canoas, na BR-448, a Rodovia do Parque. Para valorizar a luta pela democracia travada pelo povo gaúcho e seus representantes eleitos no passado não é preciso desdenhar as conquistas democráticas do presente.
Parafraseando a máxima filosófica de Ortega y Gasset: somos sempre nós e as nossas circunstâncias. Ronaldo Zulke

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